domingo, 30 de janeiro de 2011

“Penso em você apesar de não sentir sua falta e muito menos sua presença. Penso em você porque sinto um vazio, que eu não sei do quê e nem por quê. Revelo, então, mais uma vez, minha estupidez, já que não é você quem vai me salvar e nem muito menos me catapultar pra uma dimensão mais tranquila e menos ansiosa de coisas que não têm nome.”





Do sempre nosso, Caio Fernando Abreu.

CONSULTA

- ... é isso doutor! É isso o que eu sinto. São esses os sintomas. O que você acha?

-É... os sintomas não deixam dúvidas. É claro o seu problema!

- O que eu tenho doutor?

-Incapacidade de amar. E outros problemas advindos dessa doença: desconfiança, falta de paciência e outros.

-E isso é grave? Tem cura?

-Sinto muito, mas não tem cura. Mas fique tranquila: isso pode ser tratado e você pode viver normalamente tomando iniciativas simples.

-Ai... O que devo fazer?

-Aproveite muito os momentos com sua família, pois eles tem o poder de despertar em você o mais verdadeiro dos sentimentos. Você precisa ter bons amigos, conviver com pessoas sinceras e alegres que gostem de você de verdade, que te ajudem, que te faça rir e, assim, você conseguirá fazer bem a elas tanto quanto elas fazem a você. Afaste-se das pessoas falsas, pessimistas e egoístas, do contrário seu caso pode se agravar fatalmente. Não viva em ambientes que te tornam estressada ou nervosa.

- E isso será suficiente? E se eu não conseguir? E se as pessoas não entenderem?

- Fique tranquila. As pessoas olharão para você, mas não perceberam a sua anomalia. Se você seguir rigorosamente o tratamento, tenho certeza que você será uma menina alegre. E é bem possível que, em alguns momentos, você até consiga ser feliz...

domingo, 23 de janeiro de 2011

JÁ NÃO É MAIS O QUE ERA ANTES

Já não era tão cedo nem era mais sábado, mas se se apressasse podia ainda quem sabe viver intensamente a madrugada de domingo.”

Do sempre nosso, Caio Fernando Abreu.

domingo, 16 de janeiro de 2011

UMA HORA E MAIS OUTRA

Carlos Drummond de Andrade

Há uma hora triste
que tu não conheces.
Não é a da tarde
quando se diria
baixar meio grama
na dura balança;
não é a da noite
em que já sem luz
a cabeça cobres
com frio lençol
antecipando outro
mais gelado pano;
e também não é a
do nascer do sol
enquanto enfastiado
assistes ao dia
perseverar no câncer,
no pó, no costume,
no mal dividido
trabalho de muitos;
não a da comida
hora mais grotesca
em que dente de ouro
mastiga pedaços
de besta caçada;
nem a da conversa
com indiferentes
ou com burros de óculos,
gelatina humana,
vontades corruptas,
palavras sem fogo,
lixo tão burguês,
lesmas de blackout
fugindo à verdade
como de um incêndio;
não a do cinema
hora vagabunda
onde se compensa,
rosa em tecnicólor,
a falta de amor,
a falta de amor,
A FALTA DE AMOR;
nem essa hora flácida
após o desgaste
do corpo entrançado
em outro, tristeza
de ser exaurido
e peito deserto;
nem a pobre hora da evacuação:
um pouco de ti
desce pelos canos,
oh! Adulterado,
assim decomposto,
tanto te repugna,
recusas olhá-lo:
é o pior de ti?
Torna-se a matéria
nobre ou vil conforme
se retém ou passa?
Pois hora mais triste
ainda se afigura;
ei-la, a hora pequena
que desprevinido
te colhe sozinho
ou na rua ou no catre
em qualquer república;
já não te revoltas
e nem te lamentas,
tampouco procuras
solução benigna
de cristo ou arsênico,
sem nenhum apoio
no chão ou no espaço,
roídos os livros,
cortadas as pontes,
furados os olhos,
a língua enrolada,
os dedos sem tato,
a mente sem ordem,
sem qualquer motivo
de qualquer ação,
tu vives: apenas,
sem saber por quê,
como, para quê,
tu vives: cadáver,
malogro, tu vives,
rotina, tu vives
tu vives, mas triste
duma tal tristeza
tão sem água ou carme,
tão ausente, vago,
que pegar quisera
na mão e dizer-te:
Amigo, não sabes
que existe amanhã?
Então um sorriso
nascera no fundo
de tua miséria
e te destinara
a melhor sentido.
Exato, amanhã
será outro dia.
Para ele viajas.
Vamos para ele.
Venceste o desgosto,
calcaste o indivíduo,
já teu passo avança
em terra diversa.
Teu passo, outros passos
ao lado do teu.
O pisar de botas,
outros nem calçados,
mas todos pisando,
pés no barro, pés
n'água, na folhagem.
Pés que marcham muitos,
alguns se desviam,
mas tudo é caminho.
Tantos: grossos, brancos,
negros, rubros pés,
tortos ou lanhados,
fracos, retumbantes,
gravam no chão mole
marcas para sempre:
pois a hora mais bela
surge da mais triste.