domingo, 23 de novembro de 2008

INOCÊNCIA ...


(Ilustração de Gustave Doré)

"Chapeuzinho Vermelho e o lobo juntos na cama. O lobo é retratado com um ar um tanto ou quanto plácido. Mas a menina parece assolada por sentimentos ambivalentes poderosos, enquanto olha para o lobo descansando ao seu lado. Não faz nenhum movimento para se afastar. Parece bastante intrigada com a situação, a um tempo atraída e repelida. A combinação de sentimentos que seu rosto e corpo sugerem pode ser descrita como fascinação." (BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas.22.ed. São paulo: Paz e Terra,2008.p.244)



Esta semana, com certeza, foi uma semana de descoberta. Sabe aquelas certezas ainda infantis que a gente guarda até hoje? Pois é, desconstruiram-me uma dessas certezas. Eu que sempre tive na Chapeuzinho Vermelho, um exemplo de que não se deve desobedecer aos pais, percebo hoje que há muito mais para ser extraído dessa história. Descobri que Chapeuzinho Vermelho é uma pré-adolescentes se preparando para o início de sua vida sexual e que o lobo representa os homens sedutores.
Que coisa! Mas não é que faz sentido? Porque a capa dela é vermelha? Poderia ser branca, rosa, lilás, mas não! É vermelha!!! A cor da paixão? Da sensualidade? E porque ela dá ao lobo o endereço exato da casa da vovó? Ela queria se livrar da vovó? Ela queria que o lobo estivesse esperando por ela (na cama) quando ela chegasse? Ou foi inocência?
Sim, foi inocência! Essa mesma inocência que nós todos temos. A inocência é um escudo, palavra usada para omitir verdadeiras intenções. O tempo todo fazemos isso. Chapeuzinho Vermelho é um conto amado justamente porque é o conto mais humano: mostra as crueldades que podemos praticar, as artimanhas que maquinamos para eliminar quem nos atrapalha, a nossa falta de atitude - nem enfrentamos nem fugimos das situações - e mostra a falsa inocência que todos fingimos ter!
É...
Viva Chapeuzinho Vermelho! Viva Meu Professor de Literatura!

VERSOS ÍNTIMOS

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro!
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Augusto dos Anjos

sábado, 8 de novembro de 2008

UMA HOMENAGEM AOS PROFESSORES GRAMATIQUEIROS

Grande parte dos estudantes que fazem Curso de Letras tem encontrado, durante o período de estágio, com professores tradicionalistas que trabalha incessantemente com nomenclaturas, regras e classificações gramaticais. A estes, a minha homenagem:



Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito inexistente.
Um pleonasmo, o principal predicado da sua vida,
regular como um paradigma da primeira conjugação.
Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial,
ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito assindético
de nos torturar com um aposto.
Casou com uma regência.
Foi infeliz.
Era possessivo como um pronome.
E ela era bitransitiva.
Tentou ir para os EUA.
Não deu.
Acharam um artigo indefinido em sua bagagem.
A interjeição do bigode declinava partículas
expletivas, conectivos e agentes da passiva, o tempo todo.
Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.

Paulo Leminski