“Penso em você apesar de não sentir sua falta e muito menos sua presença. Penso em você porque sinto um vazio, que eu não sei do quê e nem por quê. Revelo, então, mais uma vez, minha estupidez, já que não é você quem vai me salvar e nem muito menos me catapultar pra uma dimensão mais tranquila e menos ansiosa de coisas que não têm nome.”
Do sempre nosso, Caio Fernando Abreu.
Meu coração vai batendo devagar como uma borboleta suja sobre este jardim de trapos esgarçados em cujas malhas se prendem e se perdem os restos coloridos da vida que se leva. Caio Fernando Abreu
domingo, 30 de janeiro de 2011
CONSULTA
- ... é isso doutor! É isso o que eu sinto. São esses os sintomas. O que você acha?
-É... os sintomas não deixam dúvidas. É claro o seu problema!
- O que eu tenho doutor?
-Incapacidade de amar. E outros problemas advindos dessa doença: desconfiança, falta de paciência e outros.
-E isso é grave? Tem cura?
-Sinto muito, mas não tem cura. Mas fique tranquila: isso pode ser tratado e você pode viver normalamente tomando iniciativas simples.
-Ai... O que devo fazer?
-Aproveite muito os momentos com sua família, pois eles tem o poder de despertar em você o mais verdadeiro dos sentimentos. Você precisa ter bons amigos, conviver com pessoas sinceras e alegres que gostem de você de verdade, que te ajudem, que te faça rir e, assim, você conseguirá fazer bem a elas tanto quanto elas fazem a você. Afaste-se das pessoas falsas, pessimistas e egoístas, do contrário seu caso pode se agravar fatalmente. Não viva em ambientes que te tornam estressada ou nervosa.
- E isso será suficiente? E se eu não conseguir? E se as pessoas não entenderem?
- Fique tranquila. As pessoas olharão para você, mas não perceberam a sua anomalia. Se você seguir rigorosamente o tratamento, tenho certeza que você será uma menina alegre. E é bem possível que, em alguns momentos, você até consiga ser feliz...
-É... os sintomas não deixam dúvidas. É claro o seu problema!
- O que eu tenho doutor?
-Incapacidade de amar. E outros problemas advindos dessa doença: desconfiança, falta de paciência e outros.
-E isso é grave? Tem cura?
-Sinto muito, mas não tem cura. Mas fique tranquila: isso pode ser tratado e você pode viver normalamente tomando iniciativas simples.
-Ai... O que devo fazer?
-Aproveite muito os momentos com sua família, pois eles tem o poder de despertar em você o mais verdadeiro dos sentimentos. Você precisa ter bons amigos, conviver com pessoas sinceras e alegres que gostem de você de verdade, que te ajudem, que te faça rir e, assim, você conseguirá fazer bem a elas tanto quanto elas fazem a você. Afaste-se das pessoas falsas, pessimistas e egoístas, do contrário seu caso pode se agravar fatalmente. Não viva em ambientes que te tornam estressada ou nervosa.
- E isso será suficiente? E se eu não conseguir? E se as pessoas não entenderem?
- Fique tranquila. As pessoas olharão para você, mas não perceberam a sua anomalia. Se você seguir rigorosamente o tratamento, tenho certeza que você será uma menina alegre. E é bem possível que, em alguns momentos, você até consiga ser feliz...
domingo, 23 de janeiro de 2011
JÁ NÃO É MAIS O QUE ERA ANTES
Já não era tão cedo nem era mais sábado, mas se se apressasse podia ainda quem sabe viver intensamente a madrugada de domingo.”
Do sempre nosso, Caio Fernando Abreu.
Do sempre nosso, Caio Fernando Abreu.
domingo, 16 de janeiro de 2011
UMA HORA E MAIS OUTRA
Carlos Drummond de Andrade
Há uma hora triste
que tu não conheces.
Não é a da tarde
quando se diria
baixar meio grama
na dura balança;
não é a da noite
em que já sem luz
a cabeça cobres
com frio lençol
antecipando outro
mais gelado pano;
e também não é a
do nascer do sol
enquanto enfastiado
assistes ao dia
perseverar no câncer,
no pó, no costume,
no mal dividido
trabalho de muitos;
não a da comida
hora mais grotesca
em que dente de ouro
mastiga pedaços
de besta caçada;
nem a da conversa
com indiferentes
ou com burros de óculos,
gelatina humana,
vontades corruptas,
palavras sem fogo,
lixo tão burguês,
lesmas de blackout
fugindo à verdade
como de um incêndio;
não a do cinema
hora vagabunda
onde se compensa,
rosa em tecnicólor,
a falta de amor,
a falta de amor,
A FALTA DE AMOR;
nem essa hora flácida
após o desgaste
do corpo entrançado
em outro, tristeza
de ser exaurido
e peito deserto;
nem a pobre hora da evacuação:
um pouco de ti
desce pelos canos,
oh! Adulterado,
assim decomposto,
tanto te repugna,
recusas olhá-lo:
é o pior de ti?
Torna-se a matéria
nobre ou vil conforme
se retém ou passa?
Pois hora mais triste
ainda se afigura;
ei-la, a hora pequena
que desprevinido
te colhe sozinho
ou na rua ou no catre
em qualquer república;
já não te revoltas
e nem te lamentas,
tampouco procuras
solução benigna
de cristo ou arsênico,
sem nenhum apoio
no chão ou no espaço,
roídos os livros,
cortadas as pontes,
furados os olhos,
a língua enrolada,
os dedos sem tato,
a mente sem ordem,
sem qualquer motivo
de qualquer ação,
tu vives: apenas,
sem saber por quê,
como, para quê,
tu vives: cadáver,
malogro, tu vives,
rotina, tu vives
tu vives, mas triste
duma tal tristeza
tão sem água ou carme,
tão ausente, vago,
que pegar quisera
na mão e dizer-te:
Amigo, não sabes
que existe amanhã?
Então um sorriso
nascera no fundo
de tua miséria
e te destinara
a melhor sentido.
Exato, amanhã
será outro dia.
Para ele viajas.
Vamos para ele.
Venceste o desgosto,
calcaste o indivíduo,
já teu passo avança
em terra diversa.
Teu passo, outros passos
ao lado do teu.
O pisar de botas,
outros nem calçados,
mas todos pisando,
pés no barro, pés
n'água, na folhagem.
Pés que marcham muitos,
alguns se desviam,
mas tudo é caminho.
Tantos: grossos, brancos,
negros, rubros pés,
tortos ou lanhados,
fracos, retumbantes,
gravam no chão mole
marcas para sempre:
pois a hora mais bela
surge da mais triste.
Há uma hora triste
que tu não conheces.
Não é a da tarde
quando se diria
baixar meio grama
na dura balança;
não é a da noite
em que já sem luz
a cabeça cobres
com frio lençol
antecipando outro
mais gelado pano;
e também não é a
do nascer do sol
enquanto enfastiado
assistes ao dia
perseverar no câncer,
no pó, no costume,
no mal dividido
trabalho de muitos;
não a da comida
hora mais grotesca
em que dente de ouro
mastiga pedaços
de besta caçada;
nem a da conversa
com indiferentes
ou com burros de óculos,
gelatina humana,
vontades corruptas,
palavras sem fogo,
lixo tão burguês,
lesmas de blackout
fugindo à verdade
como de um incêndio;
não a do cinema
hora vagabunda
onde se compensa,
rosa em tecnicólor,
a falta de amor,
a falta de amor,
A FALTA DE AMOR;
nem essa hora flácida
após o desgaste
do corpo entrançado
em outro, tristeza
de ser exaurido
e peito deserto;
nem a pobre hora da evacuação:
um pouco de ti
desce pelos canos,
oh! Adulterado,
assim decomposto,
tanto te repugna,
recusas olhá-lo:
é o pior de ti?
Torna-se a matéria
nobre ou vil conforme
se retém ou passa?
Pois hora mais triste
ainda se afigura;
ei-la, a hora pequena
que desprevinido
te colhe sozinho
ou na rua ou no catre
em qualquer república;
já não te revoltas
e nem te lamentas,
tampouco procuras
solução benigna
de cristo ou arsênico,
sem nenhum apoio
no chão ou no espaço,
roídos os livros,
cortadas as pontes,
furados os olhos,
a língua enrolada,
os dedos sem tato,
a mente sem ordem,
sem qualquer motivo
de qualquer ação,
tu vives: apenas,
sem saber por quê,
como, para quê,
tu vives: cadáver,
malogro, tu vives,
rotina, tu vives
tu vives, mas triste
duma tal tristeza
tão sem água ou carme,
tão ausente, vago,
que pegar quisera
na mão e dizer-te:
Amigo, não sabes
que existe amanhã?
Então um sorriso
nascera no fundo
de tua miséria
e te destinara
a melhor sentido.
Exato, amanhã
será outro dia.
Para ele viajas.
Vamos para ele.
Venceste o desgosto,
calcaste o indivíduo,
já teu passo avança
em terra diversa.
Teu passo, outros passos
ao lado do teu.
O pisar de botas,
outros nem calçados,
mas todos pisando,
pés no barro, pés
n'água, na folhagem.
Pés que marcham muitos,
alguns se desviam,
mas tudo é caminho.
Tantos: grossos, brancos,
negros, rubros pés,
tortos ou lanhados,
fracos, retumbantes,
gravam no chão mole
marcas para sempre:
pois a hora mais bela
surge da mais triste.
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